Quais são os obstáculos que encontramos na melhoria do ensino brasileiro?
A falta de um projeto em curto, médio e longo prazo, em primeiro lugar. Temos um plano nacional de educação que deveríamos seguir e, como signatários de tratados internacionais, temos metas a alcançar. Mas a prática se torna difícil, porque agimos sem planejamento. O governo atual, como os anteriores, na maioria das vezes só faz tapar buracos, liberar recursos emergenciais para este ou aquele nível de ensino e, desse modo, continua andando em círculos. Deveríamos obedecer a um planejamento, com estimativas de crescimento de demanda, previsão de gastos, mas isso não ocorre. Claro que há estudos extensos sobre isso etc. Contudo, eles parecem ser ignorados na hora em que se formulam as políticas públicas. Um outro problema é a miopia dos órgãos responsáveis pela educação, que não percebem que a educação é um processo, um todo, no qual não cabem ações fragmentadas, pois elas só fazem resolver problemas pontuais que ressurgem adiante. Isto porque todos os níveis de ensino estão estreitamente ligados. Uma hora, fala-se na educação infantil, e no quanto ela é importante para melhorar o desempenho dos alunos no ensino fundamental. Logo depois, o assunto é esquecido e as atenções são centradas no ensino superior. Quando se constata o baixo nível cultural dos alunos que estão entrando nas universidades, o governo se volta então para as mazelas do ensino médio, esquecendo que ele apenas reflete a situação dramática do ensino fundamental. Enquanto agirmos desta forma descoordenada, não chegaremos a lugar nenhum. O outro empecilho às melhorias é, claro, a falta de dinheiro. FHC vetou o item do PNE que previa o crescimento progressivo dos gastos com a educação até atingirem 7% do PIB. Gastamos 4,3%, o que não dá nem para a saída. Um estudo do qual tomou parte o próprio governo constatou que, para alcançarmos as metas do PNE, será preciso aumentar o percentual do PIB até 7,95%. Ora, o governo atual critica as ações do governo anterior na área da educação, mas ainda não fez nenhum movimento no sentido de aumentar este percentual. Se os cofres não forem abertos para a educação, as metas se transformarão em sonhos.
Quais são os rumos da educação nestes próximos anos?
É uma pergunta que todos estamos fazendo. Pensávamos, por exemplo, que o governo Lula agiria de determinada forma com relação ao setor, mas, quem diria, o Presidente já chegou a declarar até que “ensino público e gratuito” é inviável para todos, ao sancionar a lei do Prouni. Não aumentou o percentual do PIB destinado à educação. Concentrou-se na reforma do ensino superior, que, porém, assemelha-se a um conjunto de regulamentos, não arrisca inovações e até abre brechas para retrocessos, inibindo a autonomia das IES e a diversificação incentivada pela própria LDB. Na verdade, o MEC tem se apressado em formular políticas polêmicas para o ensino superior e chegou a ponto de retirar um projeto de lei que estava sendo apreciado pelo Congresso Nacional (o do Prouni) para aprová-lo por medida provisória. No entanto, não está tendo pressa alguma em ajudar na melhoria da educação básica. Estabeleceu cotas raciais nas federais, estatizou vagas, aprontou o texto da reforma universitária, vetou a criação de novos cursos superiores e por aí afora, mas o projeto para a criação do Fundeb, que ajudaria na expansão da educação infantil e ensino médio, teve que esperar e só irá para o Congresso em fevereiro. E nem mesmo sabemos quais as conseqüências do novo fundo, pois ele de nada servirá se não contar com mais recursos da União. Estamos em compasso de espera, em contagem regressiva para 2011, quando termina o prazo para que se cumpram as metas do PNE. Sou avesso ao pessimismo, mas não vejo grandes melhorias em curto prazo. Mas, quem sabe, podemos ser surpreendidos.
Qual a relação educação/política quando falamos de reformas no ensino?
A educação deveria constar de um projeto de nação e estar acima dos governos. Naturalmente, isso não ocorre aqui. Como a educação é um tema que está na berlinda, cada governo quer deixar sua marca. Há, por exemplo, prefeitos e governadores que preferem gastar o dinheiro público erguendo monumentos inúteis ao invés de consertar redes de esgoto e melhorar o abastecimento de água, porque os encanamentos não são visíveis. No entanto, o saneamento é essencial para a saúde da população. Com a educação ocorre o mesmo. A discussão sobre as cotas raciais nas universidades chamou a atenção de toda a sociedade. Mas pouco se fez no sentido de investir na educação infantil e garantir um futuro melhor para a população de zero a seis anos de idade, faixa etária que registra o maior índice de indigentes do país (perto de 39%). Pouco ou nada se fez no sentido de aumentar a jornada diária das crianças na escola, algo que é indispensável para a formação das crianças e adolescentes de baixa renda. É lógico que chegamos a uma situação insustentável no ensino superior, com mais de 70% dos alunos matriculados em IES privadas. É preciso, urgentemente, democratizar o acesso, ampliando o número de IES gratuitas, financiando os estudos dos mais pobres e até lançando mão de alternativas como o Prouni. Tudo bem. No entanto, a situação na educação básica também é insustentável. Computamos um índice de escolarização de quase cem por cento na faixa dos sete aos 14 anos, de quase 80 por cento na faixa dos 15 aos 17, mas o que dizer dos mais de três milhões que abandonam os estudos todos os anos ou do fato de mais de 50% dos nossos alunos estarem atrasados? Isso, sim, é um escândalo, tão ou mais grave quanto a estagnação do ensino superior público.
Educação para Todos, é ou será uma realidade?
Há muita gente boa trabalhando por esse ideal, dentro e fora do governo e, no mais, a pressão internacional é grande. Começamos aumentando o número de crianças matriculadas nas escolas, mas logo se tornou evidente que, sem boas escolas, bons professores e mais recursos, não há inclusão. Precisamos combater a evasão, adaptar nosso fazer pedagógico à dura realidade das novas clientelas, estabelecer turnos integrais, possibilitar que os professores se dediquem exclusivamente a um estabelecimento, valorizar o magistério, dotar as escolas com os mais modernos recursos didáticos. Podemos fazer isso. É uma questão de para onde direcionar investimentos, de estabelecimento de prioridades, de boa vontade política. Infelizmente, estamos caminhando morosamente nesta direção. Chegaremos lá, mas quando? Recentemente, os jornais noticiaram que escolas do Rio de Janeiro adotaram o sistema de rodízio para poderem atender a demanda, pois não têm vagas suficientes para todos. As mães continuam madrugando nas filas para garantir a matrícula dos filhos. Situações deste tipo são inaceitáveis e, diante delas, não podemos falar em universalização do ensino. E muito menos em educação de qualidade para todos, que foi a verdadeira proposta de Jomtien.
É preciso estabelecer relações entre as políticas públicas educacionais, movimentos e a ações dos profissionais da educação?
Naturalmente que sim. Projetos de gabinete nunca deram certo, muito menos no Brasil, um país com dimensões continentais, marcado por diferenças sociais e regionais. Somente os profissionais da educação conhecem a fundo os problemas de cada localidade, de cada comunidade, de cada criança. Somente eles poderão garantir o sucesso das reformas do ensino, pois sabem o “como e quando fazer”. Muitas vezes, os professores são criticados por resistirem a mudanças. De fato, muitos precisam abrir suas mentes às inovações, modernizar seu modus operandi, qualificar-se mais. No entanto, até a estes devemos dar ouvidos e procurar saber porque agem desta ou daquela forma. Veremos que sempre há um fundo de razão em suas queixas e que, na verdade, precisamos ajudá-los, e não combatê-los. O professor é a peça-chave do processo educacional, a chave para a melhoria do ensino. Deve ser tratado como tal e ter seus pontos de vista levados em conta, sempre.
Os diagnósticos realizados por Institutos de Estudos e Pesquisas Educacionais e entidades nacionais e internacionais refletem a verdadeira realidade do ensino no Brasil?
R: Creio que esse é um ponto do qual não temos do que nos queixar. A LDB estabeleceu a cultura da avaliação e, se o governo FHC teve um mérito, foi o de providenciar um diagnóstico completo da situação do ensino no Brasil, divulgado sem retoques para o público. As ONGs e entidades internacionais também têm cumprido o seu papel, promovendo exames como o PISA, ou então medindo até que ponto a evolução dos indicadores educacionais tem se traduzido em melhoria da qualidade de vida (como a ONU faz através do Relatório de Desenvolvimento Humano). Monitoram, enfim, os países em suas ações rumo ao cumprimento das metas estabelecidas em tratados internacionais. Os resultados não têm sido muito favoráveis para nós, apesar de alguns indicadores terem melhorado (no PISA, por exemplo, nossos alunos ficaram aquém do último grau de classificação). Todos sabemos, através destas pesquisas, a gravidade dos problemas da educação nacional.
O INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira propõe algumas formas de avaliação e condições de ensino tais como: O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). A partir destas iniciativas, o que tem melhorado na educação?
R: Talvez a questão seja justamente essa: avaliações como o Saeb e o Enem são muito boas, principalmente porque se preocupam em pesquisar todos os fatores possíveis e imagináveis que interferem no desempenho dos estudantes. No entanto, as políticas públicas não são formuladas de acordo com as conclusões tiradas nessas avaliações. Elas já alertaram, por exemplo, que estudantes que freqüentaram a educação infantil se saem muito melhor no ensino fundamental, e nem por isso o governo está investindo pesado no atendimento à primeira infância. Ao contrário, alega que esta responsabilidade é dos municípios, quando a Constituição diz claramente que é uma responsabilidade conjunta da União, estados e municípios. Alertaram, também, que os alunos de escolas que dispõem de bibliotecas e computadores têm mais facilidade de aprender, mas menos de metade delas dispõem desses recursos. Quanto à avaliação do ensino superior, é um capítulo à parte, pois se trata do único nível em que a participação da rede pública é mínima. Fica mais fácil fazer exigências a instituições de ensino particulares, crucificá-las, até, passando a impressão de que estamos zelando pela qualidade do ensino. Mas isso deveria ser feito com relação à educação básica também, e não é, porque não podemos crucificar instituições públicas quando não lhes proporcionamos condições de funcionarem adequadamente.
Quais são os maiores equívocos nas políticas educacionais?
Como já disse, a primeira e maior falha está em uma total desarticulação das ações que visam à melhoria do ensino. Temos que investir ao mesmo tempo em todos os níveis, pois todos estão interligados. E é preciso, urgentemente, valorizar a educação infantil e as primeiras séries do ensino fundamental, pois é nessa fase que decidimos o futuro dos indivíduos. Se eles começam a fracassar nesta etapa, todo o percurso escolar será acidentado e se tornará difícil resgatá-los. Entretanto, os professores que lecionam nesses níveis são os mais mal pagos e mal preparados, o que é um contra-senso. A Lei de Diretrizes e Bases do Ensino e o Plano Nacional de Educação já deram o diagnóstico e a receita. Se apenas cumpríssemos as leis, já daríamos um imenso passo na direção da universalização com qualidade. Mas as ações governamentais não correspondem às expectativas geradas pela LDB ou pelo PNE, não dão continuidade a um projeto educacional já aprovado por toda a sociedade. Esse é grande equívoco que o governo tem cometido.
Fonte: http://www.serprofessoruniversitario.pro.br/m%C3%B3dulos/universidade-no-brasil/educa%C3%A7%C3%A3o-no-brasil-qual-%C3%A9-realidade#.UUSNzJTaWXU
*Magno de Aguiar Maranhão - Educador e Consultor da área da Educação, Magno de Aguiar Maranhão é Licenciado em Letras, Mestre em Lingüística.
Presidente da Associação de Ensino Superior do Rio de Janeiro e Assessor Especial da Presidência da Fundação Escola Serviço Público do Rio de Janeiro (FESP
Presidente da Associação de Ensino Superior do Rio de Janeiro e Assessor Especial da Presidência da Fundação Escola Serviço Público do Rio de Janeiro (FESP
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