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A rigidez da grade curricular ajudou o senhor a não gostar da escola e se tornar um mau aluno, como escreveu em um de seus livros? A gente tem que aprender cada coisa absurda! Outro dia estava lendo o livro de biologia da minha neta. Era uma coisa tão absurda, tão cheia de nomes. Eu falei: pra que isso? Qual o sentido disso? Nessa questão de currículo, a coisa fundamental da educação é o interesse do estudante. O primeiro impulso da criança é conhecer. Aliás, acho que o primeiro impulso de conhecimento das crianças é o de conhecer o entorno. Esse espaço, como o de qualquer passarinho, é o ninho, é o centro da sua vida. Então eu comecei a pensar num currículo que tivesse como base a casa. A casa tem todas as coisas necessárias para você aprender.
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“O primeiro impulso da criança é conhecer” – ao lado, pequeno Rubem comprovando sua própria teoria
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É uma maneira de o currículo deixar de isolar os conhecimentos em disciplinas?O princípio é mais ou menos esse. Eu acabei de escrever um livro sobre isso. Uma entrevista do Amyr Klink me inspirou. Perguntaram qual era a escola que ele gostaria para os filhos. Ele citou uma escola que se encontra numa ilha que em séculos passados foi habitada pelos vikings. Fui procurar no mapa, é uma ilha que fica mais ou menos entre a Inglaterra e a Islândia. Lá as crianças aprendem tudo de que precisam construindo uma casa. Aí eu pensei: vamos brincar com as crianças de construir uma casa. Eu explico como é que é a planta, e faço uma brincadeira com as crianças, imaginando que a gente sobe num balão. Lá nas alturas a gente olha para a casa e vai, num ato de mágica, tirar o telhado da casa. O que elas vêem? O que os arquitetos fazem, esses desenhos. A gente então começa a trabalhar com questões de matemática, geometria, a questão dos ângulos, as alturas, as distâncias, os tamanhos. Você não aprende geometria em abstrato, como eu aprendia na escola. Mas a geometria tem a ver com essa porta que está aqui! Vou explicar para a criança que, se não utilizar ângulo reto, essa porta não vai dar certo.
Sobra conhecimento até para o banheiro? Banheiro é um lugar mágico. Ali chega a água. A gente pergunta para a criança de onde é que vem a água. Ela vai dizer “vem do reservatório da prefeitura”, e aí você vai para todo o problema da crise da água. Discute então a questão ecológica. Além disso, tem um objeto mágico no banheiro, que é a privada. Para que serve a privada? A gente faz cocô e xixi lá dentro. Aí você aperta um botão e o cocô e o xixi somem. Eles deixaram de existir? Então você vai a Lavoisier: ”Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. Então o cocô não deixou de existir, só foi para outro lugar. Para onde foi? As crianças vão compreender que o cocô acaba indo para o rio.
Nunca imaginei que cocô tivesse potencial pedagógico... Tem mais: fiz um cálculo e cada pessoa faz em média 250 gramas de cocô por dia. Explico o que é quilo e que 250 gramas é uma caixinha de manteiga. Campinas tem 1 milhão de habitantes. Se cada habitante faz 250 gramas por dia, logo Campinas faz 250 milhões de gramas de cocô por dia. Mas esse número é muito grande, vamos aprender a reduzir para quilos. Atenção na privada: aquilo é material didático, assim como a casa da gente!
Quando o assunto é corpo, aquelas aulinhas de educação física e educação sexual parecem algo mais atrasado que o próprio currículo engessado. Como o senhor vê isso? Me lembro do professor de educação física da minha adolescência entrando no pátio da escola: o tronco dele parecia uma pirâmide invertida e a cabeça, uma pirâmide sobre a base da outra [risos]. Nunca ouvi esse cara falar qualquer coisa sobre o corpo. Os instrumentos de educação dele eram o apito, o cronômetro e uma prancheta com o nome da gente. Seu objetivo era marcar em quantos segundos a gente terminava os exercícios. Eu ficava pensando: o que esse cara vai fazer com essas anotações? Eu acho que ele nunca se perguntou: para que fazer essas anotações? Depois brincava com meus amigos da educação física da Unicamp: “O nariz faz parte do corpo? Então você tem curso de ‘cheiração avançada’ aí?”. A educação física é a educação muscular hoje, de inspiração militar. Deveria ser um negócio fantástico, usando teatro, por exemplo, para você tomar contato com o próprio corpo.
E a sexualidade? Nas experiências de educação sexual que eu conheço, a coisa é muito orientada para a fisiologia e para a anatomia. Termina sempre no “precisa usar camisinha”. Claro que essa questão é importante, mas mais importante é a questão da sensibilidade. Acho importante você ler poesia para entender o sexo. O Cântico dos Cânticos é uma coisa linda: “Seu umbigo é uma taça transbordante de vinho”, “os seus seios são como dois filhos gêmeos de gazela”. Sexo não é só o ato em si, poxa.
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2 comentários:
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